quinta-feira, 15 de abril de 2010

Por que um teste positivo de HIV não é tão ruim assim...

Nesse post, vou continuar falando sobre noções de probabilidade que utilizamos de forma errada, o que leva a gente a tirar conclusões precipitadas.

Uma pessoa é submetida a um teste de HIV, cujo resultado é positivo. Suponha que as chances de o exame ter resultado positivo para alguém que não é HIV positivo sejam 1/1000. Isso é conhecido como chance de falso positivo do teste e o valor (1/1000) é apenas ilustrativo - existem exames tanto com mais quanto com menos acurácia do que esse.

Imagine um médicos notificando seu paciente sobre esse resultado. Considerando taxas de falso positivo tão baixas (0,1%), talvez ele dissesse "Aa chances de você não ser portador de HIV são muito pequenas - apenas 1/1000 ou 0,1%. Eu sinto muito.".

Felizmente, nesse cenário, a probabilidade de o paciente não ser HIV positivo é muito, mas muito maior do que 0,1%.


A pergunta que a pessoa diagnosticada se faz e será respondida nesse post é 

"Qual é a chance de eu ser não ser HIV positivo *uma vez que o exame deu positivo* ?"

A pergunta que a taxa de falso positivo responde, no entanto, é justamente a oposta: "Qual é a chance de o exame dar positivo *uma vez que não sou HIV positivo* ?"

De outra maneira, estamos querendo saber o seguinte: no grupo das pessoas cujo exame deu positivo, quantas não são HIV positivo? Se, por exemplo, nesse grupo houver 15 pessoas e 2 delas não forem HIV positivo, então a chance de uma pessoa não ser HIV positivo (2), uma vez que seu exame deu positivo (15), é 2/15.

A resposta da pergunta que motivou esse post depende, dentre outras coisas, do grupo a que pertence a pessoa que se submeteu ao teste. Como essa característica altera significativamente o resultado final, faremos algumas suposições sobre essa pessoa. No nosso caso, o examinado será um homem brasileiro de 30 anos (mas podia também ser uma mulher), que usa preservativo e não é usuário de drogas injetáveis.

Caso 1 - Simplificando

Cruzando dados da OMC (HIV-positivos) com os do IBGE (população), 3 de cada 1000 pessoas tem AIDS no Brasil. Aqui, ter AIDS e portar HIV são situações equivalentes. Esses dados são referentes ao ano de 2005, mas é coerente supor que a taxa não tenha mudado muito (até porque ele está arredondado). Nesse ponto, vale ressaltar que essa estimativa é uma média - inclui no grupo usuários de drogas injetáveis e pessoas que fazem sexo sem preservativo. Considerando o que sabemos sobre nosso cobaia, essa razão diminui expressivamente. Vamos considerar que 3 de cada 10000 pessoas como ele sejam HIV positivo.

Assim, num grupo de 10000 pessoas...

[i] são HIV positivo e têm exame positivo: 10000*(3/10000) = 3
[ii] não terão HIV: 10000 - 3 = 9997
[iii] terão exame positivo, mas serão HIV negativo:
.... 9997*(1/1000) = 10 

O grupo das pessoas cujo exame deu positivo, portanto, é composto por [i]+[iii] = 13 pessoas e apenas 3 de fato são HIV positivo. Dessa forma, a chance de uma pessoa pertencer a esse grupo (exame positivo) e não ser HIV positivo é 10/13, aproximadamente 77%. Note que eu poderia usar qualquer tamanho para o grupo - 10000 pessoas foi apenas um número que facilitaria as contas. O resultado seria o mesmo.

Numa outra hipótese, em que a pessoa testada pertence a um grupo de risco com 1 HIV positivo a cada 1000 pessoas, as chances delas seriam bem menores: aproximadamente 50%. Essa discrepância mostra a importância de se classificar, com informações que sempre temos à nossa disposição, a pessoa sobre quem a pergunta é feita.

Caso 2 - Menos simples

No caso 1, esquecemos de considerar a taxa de pessoas que têm o vírus, mas o exame é incapaz de identificar. Vamos supor que essa taxa seja de 3/1000 (novamente, um número verossímil).

Assim, num grupo de 10000 pessoas...

[i] terão HIV: 10000 * (3/10000) = 3
[ii] não terão HIV: 10000 - 3 = 9997
[iii] terão exame positivo, mas serão HIV negativo:
.... 9997*(1/1000) = 10
[iv] terão exame negativo, mas serão HIV positivo: 3*1/1000 = 0

Conclusão: a taxa de falso negativo, para o nosso exemplo, é bem pouco relevante. Ela altera, mas muito pouco, a chance de uma pessoa não ser HIV positivo uma vez que seu exame é positivo.

Caso 3 - O literal

Eu arredondo números por questão de clareza, mesmo que em detrimendo de precisão. Usando variáveis o cálculo fica mais limpo.

- Seja t o total de indivíduos numa população
- Seja a a taxa de HIV-positivos nessa população
- Seja p a taxa de pessoas terão exame positivo, mas serão HIV negativo
- Seja n a taxa de pessoas que terão exame negativo, mas serão HIV positivo

Queremos saber a chance de um indivíduo ser HIV negativo uma vez que seu exame deu positivo. Para isso, calculamos dois valores: o total de falsos positivos e o total de pessoas cujo exame é positivo. A razão entre esses números é a resposta. Os passos são idênticos aos dos casos 1 e 2.

[i] terão HIV: t*a
[ii] não terão HIV: t - t*a
[iii] terão exame positivo, mas serão HIV-negativas: (t-t*a)*p
[iv] terão exame negativo, mas serão HIV-positivas: (t*a)*n

O grupo de positivos é composto por [i] + [iii] - [iv]. Nesse grupo, [iii] são HIV-negativas. O que queremos corresponde a 

[iii] / ( [i]+[iii]-[iv] ) = p*(1-a) / ( [a] + [p*(1-a)] - [a*n] )

Essa resposta já está simplificada - veja que t, o total de pessoas, não tem influência sobre o resultado. Além disso, veja que n só entra na fóruma em a*n. Como todas as variáveis são bem "pequenas", a*n é "pequeniníssimo" e pode ser ignorado. Por fim, com simplicações, a resposta é

p(1-a) / ( a + p(1-a) )

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As fontes  consultadas estão listadas abaixo.

[1] Dados sobre a  população brasileira - aqui 
[2] Dados sobre a presença da AIDS no Brasil - aqui
[3] Dados sobre a eficácia dos testes de HIV -  aqui

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Finalmente, termino dizendo que esse post foi inspirado no livro "O Andar do Bêbado", de L. Mlodinow. Ele foi diagnosticado com AIDS, recebeu a má notícia do médico (que acrescentou que as chances de o exame estar errado eram bem baixas) e no segundo exame descobriu que havia sido um falso positivo.

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