Você talvez queira dar uma olhada "nesse post" para entender a história por trás do questionamento de hoje, mas dá pra continuar lendo sem grandes problemas.
O caso
Um paciente obeso, após dois dias em coma, acorda num hospital dizendo se sentir bem e querendo voltar para casa. Seu médico, no entanto, afirma que é bem mais seguro ficar no hospital. Os dois, portanto, discordam entre si, e na discussão algumas estatísticas são mencionadas e usadas como argumento.
Paciente: "Nos EUA, morrem mais de 300 mil pessoas a cada ano em razão de erros médicos ou infecções hospitalares."
Paciente: "Nos EUA, morrem mais de 300 mil pessoas a cada ano em razão de erros médicos ou infecções hospitalares."
Médico: "Nos EUA, mais de 400 mil pessoas morrem por problemas de doenças relacionadas à obesidade."
Paciente: "Os dados do médico estão superestimados."
Ora, suponha que de fato o paciente está com os dados mais precisos - que mais pessoas morrem por erros médicos ou infecções hospitalares do que por doenças relacionadas à obesidade. Para ilustrar, considere que apenas 200 mil pessoas morram no segundo caso. Isso, para aquele paciente, indica que é mais seguro ficar em casa do que no hospital?
A resposta erradaParece tentador comparar esses dois números - 200 mil e 300 mil. Como 300 mil é maior do que 200 mil, a chance de o paciente morrer por causa de erros médicos ou infecções hospitalares é maior do que a chance de ele morrer pela falta de um diagnóstico de uma doença relacionada à obesidade. Onde está o erro - grosseiro! - nessa linha de raciocínio, que quase convenceu o médico?
A resposta certa
Não tem sentido nenhum comparar esses números, porque eles representam partes de grupos distintos. O dado sobre infecção hospitalar se aplica a todas as pessoas que, num ano, em média, visitaram um hospital. O outro dado, sobre obesidade, é referente apenas aos obesos. Assim,
[1] Chance de morrer por falha médica ou infecção hospitalar:
300 mil / número de pessoas que visitam hospitais no período de um ano
[2] Chance de morrer por doenças relacionadas à obesidade para um obeso:
200 mil / número de obesos
Não dá nem medo de dizer que [1] é bem menor do que [2], porque seu denominador é muitas vezes maior. Isso, claro, porque somos obrigados a considerar que o paciente é obeso (mórbido!). Quando o paciente cita os dados a seu favor, é justamente disso que ele se esquece. Sob o ponto de vista do médico (que é o Foreman do seriado House), [1] devia ficar ainda bem menos assustador, porque a equipe dele é altamente qualificada e a estatística do paciente considera o universo de todos os médicos dos EUA. Além disso, o hospital em que eles estão tem um nível de higiene altíssimo e muito dinheiro, o que, mais uma vez, afeta [1].
Por outro lado, pode pesar a favor do paciente que muitas vezes diagnosticar uma doença não adianta tanta coisa, mas, em geral, quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais o paciente vive. Por isso, a rigor, estamos falando das chances de morrer mais cedo.
Em House, várias vezes o próprio House comete esse tipo de erro: esquece de considerar o que já se sabe sobre o paciente. Diz, por exemplo, que uma doença X é mais provável do que a doença Y naquele paciente só porque ela é mais provável em geral.
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Já motivando outro post sobre erros probabilísticos, agora com uma pergunta bem mais enganosa: um sujeito é diagnosticado com AIDS por um teste que tem chance de 0,5% de ser falso positivo. Ele devia voltar chorando para casa? A chance de o teste dar falso negativo tem alguma coisa a ver com a história? A freqüência da doença na população tem alguma coisa a ver com a história?
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